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terça-feira, 13 de setembro de 2011

Essa história daria um livro

Caros amigos,
desculpem a falta de notícias, mas as últimas semanas foram de muita correria por aqui em Indianápolis. Para dizer a verdade, foram momentos de expectativa, tensão e aflição que exigiram todas as nossas forças e atenções concentradas na superação das dificuldades que se apresentaram. Nesses dias, o estado de saúde do Noé chegou ao nível mais preocupante de todo o processo e mobilizou toda a equipe de médicos e atendentes. De nossa parte, não faltaram orações e pensamentos voltados para a superação dos desafios que a cada momento cresciam em dificuldade. Os momentos cruciais e de grande expectativa começaram na noite da última sexta feira, dia 9 de setembro, quando os médicos determinaram uma grande operação de busca para encontrar um doador nas próximas horas... pois a constatação era de que o Noé não poderia esperar mais. Fomos informadas que existia a possibilidade de a cirurgia  ocorrer já durante a madrugada.  Mas, pela experiência da equipe médica, em situações como esta, a espera poderia ser de até 48 horas. Nós que já estávamos há dias sem sair do hospital, tomando banho lá mesmo e dormindo poucas horas em cadeiras improvisadas como cama, passamos a madrugada da sexta-feira em vigília, a espera de um milagre. A resposta veio por volta das 3 horas da madrugada, quando a enfermeira veio nos informar que haviam achado um doador, que seus órgãos estavam em bom estado e que o Noé seria preparado para a cirurgia.
Finalmente, o longo caminho de desafios e de luta pela vida que percorríamos chegava ao seu momento decisivo. Juntos, de mãos dadas com o N rezamos e agradecemos a Deus por ter chegado essa hora. À gratidão e o alívio se juntaram também a preocupação com o alto risco de uma cirurgia de alta complexidade a que o Noé, em estado muito debilitado, iria se submeter por longas horas. Mas podemos dizer, com absoluta sinceridade, que estávamos preparados e serenos para o enfrentamento de mais esta prova. Foram usadas 150 bolsas de sangue e ao menos outras 100 de plasma e outros compostos durante a cirurgia. Segundo o Dr. Rodrigo Vianna, que comandou o transplante, o abdômen do Noé era uma massa disforme de vísceras encharcadas de sangue, em que  não se distinguiam nenhum dos órgãos. Sua avaliação foi que, naquele estado e sem o transplante, um mês de vida seria uma previsão até otimista para o Noé.
A cirurgia de transplante, que começou por volta das 5 da manhã de sábado e foi até as 17 horas da tarde,  concluiu com sucesso a primeira fase do procedimento, que teve continuidade na manhã de segunda-feira, com a fase final de transplante do rim.
O bravo Noé havia passado pelo desafio mais difícil e aguardava na UTI com bons sinais vitais o segundo round na segunda-feira. Já podíamos respirar aliviadas neste intervalo, com as avaliações positivas e os  relatórios frequentes do Dr. Rodrigo, que pessoalmente vinha contar as novidades e nos manter informadas sobre tudo.
Segundo ele, o caso do Noé está entre os três mais complexos que ele  enfrentou entre os mais de cem transplantes multiviscerais que realizou. Como era esperado, correu tudo bem na segunda fase da cirurgia, realizada na segunda-feira.
No momento o Noé prossegue sedado, mas, felizmente o monitoramento de seus sinais vitais são todos positivos. Difícil expressar em palavras nosso sentimento de gratidão por tamanha graça recebida até aqui, mas o que toda esta batalha nos ensina é a humildade de reconhecer que nessa história não há heróis, que isoladamente não somos e não podemos nada. Esperamos que este aprendizado também possa servir a todos os aflitos: não se renda, não desista, não deixe se abater, procure e aceite uma mão amiga e nunca deixe de acreditar que a vida, com todas as suas dificuldades e os seus desafios, sempre vale a pena. Toda a estrutura, a tecnologia e os extraordinários avanços científicos envolvidos neste processo pareciam inatingíveis para nós a poucos meses atrás, não só pela fabulosa soma de dinheiro exigida, o que seria um fator mais que importante para  desistir, mas também pelas delicadas condições físicas do Noé. Passo a passo, com muita determinação e a fundamental colaboração da família e a generosidade e solidariedade de centenas de amigos e de anônimos desinteressados, chegamos até aqui.

Parte da equipe que participou da cirurgia do Noé - Dr. Rodrigo Vianna é o segundo da direita para a esquerda.

Não bastasse a própria história pessoal do Noé, com sua inacreditável batalha pela vida - que vem de grandes superações de mais de trinta anos, quando ele esteve à beira da morte com um complicadíssimo caso de trombose intestinal, que resultou em diversas cirurgias, meses de internação e na contaminação pelo vírus da hepatite C (contraído em uma  das diversas transfusões de sangue a que foi submetido no passado e  só  detectado a dez anos atrás), os médicos que o acompanharam durante todos esses anos também são grandes exemplos de superação e determinação. A começar pelo Dr. Theodoro Zaidan, que enfrentou o primeiro desafio há trinta anos, tendo como residente  na época um jovem médico, Dr. Maurício Barros, que muitos anos depois seria o renomado especialista responsável pelo controle dos efeitos da hepatite no Noé, mantendo sua qualidade de vida nos últimos anos e responsável também pela fundamental indicação da cirurgia salvadora nos EUA , sob os cuidados do Dr. Rodrigo Vianna, médico brasileiro, reconhecido mundialmente como um dos maiores, senão o maior especialista na sofisticada técnica do transplante multivisceral, no Centro Médico do IU Hospital (Hospital da Universidade de Indianápolis). O próprio Dr. Rodrigo Vianna relata, com toda sua humildade, os desafios que teve que superar e os nãos que recebeu durante seu processo de formação, quando ainda recém-formado, vendeu o carro, que possuía na época e viajou para os Estados Unidos, insistindo a ponto de trabalhar de graça como assistente durante oito meses, para poder aprender as técnicas do ofício. Durante esse período, ele conta que chegou a levar um tapa na mão do cirurgião-chefe (com quem trabalhava em Miami), que o repreendeu dizendo que ele não sabia sequer dar um nó cirurgico decente. O tapa doeu forte no seu orgulho e ele passou uma noite toda treinando os tais nós. Hoje, o médico que lhe deu o tapa na mão pode dizer, com orgulho, que o Dr. Rodrigo foi seu aprendiz. Também não podemos deixar de lembrar um outro Dr. que dispensa o tratamento distintivo de doutor, o jovem Elton, sobrinho e talentoso advogado responsável pela conquista da histórica liminar que determinou que o plano de saúde do Noé bancasse os custos da cirurgia. Com seu característico entusiasmo na maneira de falar, Elton diz que ele jamais teria condições de se formar advogado sem o fundamental apoio dos tios Catarina e Noé, que construíram um “puxadinho” na casa, para que ele pudesse morar durante seus anos de estudo.  Essa história de união não se faz só de doutores e, como dissemos, muito menos de heróis. Antes de tudo, são pessoas das mais diversas origens e formaçoes, mas iguais no mesmo propósito: simples seres humanos que acreditam no milagre da vida.

Highlander, apelido que Noé ganhou do Dr. Rodrigo Vianna
ao saber de toda a sua luta para viver ...

Noé tem pela frente ainda o desafio de um longo e delicado período de recuperação, que esperamos que não seja tão difícil nem tão longo assim.  E que, em menos tempo do que prevemos, possamos estar de volta para um abraço apertado, cheio de saudade e de felicidade.

Muito obrigado a todos vocês,

Família Rolli

Um comentário:

  1. Rolli,
    Querida, pensei muito em voce nos ultimos dois dias, nossa, que coincidencia....e foi como uma luz seu blog....meus parabens, mesmo, de coracao...que luta incrivel...muita coisa boa, muita forca, muita fe....um beijo grande...dri mattos

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